Nem masculinas, nem musas: atletas

02-08-2012 20:52

 

O início das Olimpíadas de Londres na semana passada trouxe para todos os portais de notícias uma enxurrada de artigos sobre uma diversidade notável de esportes; diferente do visual usual enfadonho de futebol, futebol, futebol, esta é uma época interessante para ler e saber mais sobre outras delegações, outros esportes, acompanhar o resultado do trabalho de diversas modalidades. Algo, no entanto, parece não mudar nunca: o tom e foco de matérias a respeito de mulheres no esporte.
 
Não que tratar o corpo da mulher como objeto seja uma exclusividade da mídia esportiva, muito pelo contrário; e a abordagem cotidianamente feita dessa forma, em todos os contextos, ajuda a cegar nosso senso crítico ao encontrar uma quantidade grande de matérias a respeito da polêmica do biquíni do vôlei de praia, e nenhuma matéria sobre a trajetória esportiva daquelas atletas que estão lá para nos representar, por exemplo. Matérias sobre a modalidade chegam ao absurdo de ter como imagem de capa as bundas (e somente as bundas) das jogadoras, sem cabeça, sem pernas, sem nada. O corpo da atleta é esculpido para e pela performance atlética; a escultura vira notícia, a performance não.
 
Esta é a primeira edição dos jogos olímpicos a contar com mulheres em todas as delegações, porém esse feito histórico parece secundário diante de títulos como “Hóquei na grama realça uniforme feminino” ou “Reserva da Croácia concorre ao título de Musa das Olimpíadas” (de que esporte mesmo?!) ou o “álbum de musas do dia” em diversos canais “esportivos” online. Há também as matérias jocosas sobre as modalidades tidas como tradicionalmente masculinas, em que as atletas não se encaixam nesse padrão de musa; para elas há ainda menos espaço na mídia e, quando há, é para exaltar o “bizarro”. A atleta de powerlifting Marilia Coutinho discute alguma dessas questões em sua página, vale a pena ler: https://www.mariliacoutinho.com/.
 
Essas questões críticas da mídia esportiva são fundamentais para o momento que o rugby brasileiro vive, sobretudo o rugby feminino: é necessário pensar qual o tipo de divulgação queremos para construir uma imagem para o grande público, refletir se a máxima “qualquer divulgação é válida” ainda é verdadeira na realidade de hoje. Algumas semanas atrás a Folha de São Paulo publicou uma matéria a respeito do crescimento da prática do rugby entre mulheres, porém ainda mais do mesmo: “Bastam dez minutos de partida para fazer um estrago danado: uniformes, cabelo, rosto e unhas ficam tingidos de ocre. Em nada lembram as mulheres que, antes de entrar em campo, deixaram no vestiário o salto alto e a roupa social”. Nenhuma menção à existência de um circuito nacional exclusivo da categoria. Nenhuma menção ao crescimento e excelente trabalho da seleção nacional. Nenhuma informação sobre onde treinar. A que se presta então uma matéria desse naipe para o rugby feminino?
 
Questionar e ter uma postura crítica diante da forma como se veicula o esporte feminino é fundamental a todos que consomem essa informação de alguma forma, independente da modalidade esportiva, porém para o rugby isso aparece como algo ainda mais urgente. Se ainda não temos uma cara ou uma identidade definida para o grande público brasileiro, nem é preciso dizer que o cuidado para não passar uma imagem equivocada deve ser redobrado. Os próximos quatro anos, que precederão a reestreia do rugby nos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, se apresentarão como um enorme celeiro de oportunidades de mais visibilidade para nós: e que sejamos vistas como atletas, não só como musas.